quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Barco Pesqueiro


...Passavam já das 6 da tarde, o movimento da maré que sacudia o pesqueiro de seu velho pai não o enjoara... fôra a comida enlatada. Apressou-se em tirar a rede d'água, um mísero peixe dabatia-se violentamente. Meditou. Como o ar que lhe garantia vida segundo após segundo era sufocante ao pobre vertebrado marinho. E agora? Devolvia-lhe à vida ou entregava-o à tortura ofegante? O poder em suas mãos. O poder que sonhara ter, que experimentara e que lhe arrancaram das mãos. Liberdade!!! Era tudo o que desejava ali, no frio da brisa do mar. O mar... Sem cor, enfurecendo-se com a negritude das nuvens. Ele e ninguém mais... Já não era alguém para si mesmo, desprezado pelos iguais, incompreendido pelos líderes de sua vida. Proibiram-lhe sorrir com o que tinha vontade, correr com quem sonhou compartilhar sandices... Sua vida era feita de reticências. Seus assuntos, seus projetos, seus planos paravam pela metade do percurso onde todos já sabiam o que ocorreria.

Olhou para o mar. O peixe falacera em suas mãos e escorregara-lhe por entre os dedos. Sepultado no mar de onde veio, de graça. Agachado pensou, lembrou de sua mulher, das três crianças, do menino mais velho trancafiado no quarto sem reboque.

Imprestável, desgraçado, pobre... Sabia que receberia em uma semana mais atenção do que recebera em sua vida inteira, talvez durasse um mês inteiro ou dois. Sentiriam sua falta, sem dúvida, afinal todos recebem homenagens quando cessam de consumir este ar.

Olhou, pensou e não mais duvidou. Tornou-se uma gota d'água a mais.
Acordou com uma sensação comum de estar encharcado. Em volta observou o mesmo quarto. Perto da estante as latas de tinta. Ao seu lado sua mulher:
- Vai sozinho, mesmo?
- Sim... Irei.
- Vai chegar a tempo de jantar?
Olhos nos olhos, nenhuma palavra.
Levanta-se, toma um banho, come uma torrada, caminha até o portão tão negro como sua alma naquele dia.
- Pai! - Grita o pequeno Lino - Esqueceu o chapéu do Vô! - Olhos nos olhos, novamente, mas agora em cada membro da familia.
- Obrigado.
E ninguém mais ouviu de sua boca palavra alguma.

Nenhum comentário: